Por Carla Bueno
Se questionar a qualquer empresário se ele prefere vender para “um público mais amplo” ou “um público mais restrito”, é quase certo que a maioria escolheria a primeira opção. No entanto, apesar dessa preferência, a acessibilidade no e-commerce permanece, em grande parte, como um território pouco explorado para muitas lojas virtuais. Isso tem como consequência a exclusão de uma parcela significativa de seu potencial público consumidor.
Estive no Fórum E-commerce Brasil 2023 e, no contexto do comércio eletrônico, a acessibilidade, temática que emerge como crucial, foi levada à 14ª edição do evento, por Luis Felipe Vieira Sobral, diretor de UX do Grupo Boticário, que enfatizou em sua apresentação a importância de dois termos-chave para a construção de um design universal e inclusivo: empatia e alteridade. Neste sentido, o evento destacou a urgência da acessibilidade no comércio eletrônico e a relevância do design inclusivo.
Segundo Sobral, colocar-se no lugar do outro e compreender as experiências a partir do ponto de vista de outras pessoas são dois conceitos fundamentais para a criação de experiências acessíveis. “A beleza precisa ser para todo mundo, entendemos que os produtos digitais devem servir para todos”, afirmou, reforçando a urgência de priorizar o design inclusivo.
Compromisso com a acessibilidade: um chamado à ação
Durante sua apresentação, Sobral destacou o cadastro inclusivo como um exemplo das iniciativas adotadas pela Boticário visando à inclusão. Ele explicou como a substituição do campo ‘nome’ por ‘como podemos te chamar’, que pode representar um gesto de respeito e apreço pela singularidade de cada cliente, por exemplo.
Adicionalmente, no contexto do comércio eletrônico, poderíamos incorporar tanto o nome da pessoa quanto o campo ‘como você gostaria de ser chamado’. Isso permitiria personalizar todas as interações com o usuário de acordo com suas preferências, já que essa abordagem pode variar conforme as particularidades de cada produto digital.
Diretrizes para implementar o design inclusivo
Além de ressaltar a importância do design inclusivo, Sobral também apresentou quatro diretrizes práticas para que empresas possam iniciar esse processo tanto na organização quanto no desenvolvimento e atendimento aos clientes:
- Preparar e construir times com inclusão: fomentar uma cultura inclusiva dentro da empresa é fundamental para garantir que todas as perspectivas sejam consideradas desde o início.
- Cuidar da amostragem: realizar pesquisas abrangentes e representativas é essencial para compreender as diversas necessidades dos consumidores.
- Observar as soluções oferecidas: avaliar se as soluções disponibilizadas atendem a todos os consumidores, independentemente de suas características.
- Empatia e alteridade: se conectar com os clientes, compreender suas experiências e necessidades é o alicerce para criar produtos e serviços inclusivos.
Conceito de Design Inclusivo
O Design Inclusivo abrange todo o espectro da diversidade humana, considerando fatores como habilidade, linguagem, cultura, gênero, idade e outras diferenças. Ele é particularmente aplicado a produtos digitais, permitindo soluções específicas para diferentes usuários, segundo uma definição do Inclusive Design Research Centre, centro de pesquisa e desenvolvimento da Universidade OCAD do Canadá.
A acessibilidade no desenvolvimento de produtos, serviços e tecnologia visa considerar as pessoas com deficiência. Tanto a acessibilidade quanto o design inclusivo trabalham em conjunto para criar experiências genuinamente utilizáveis para todos, indo além dos simples padrões de acessibilidade.
O Microsoft Design estabelece três princípios fundamentais do Design Inclusivo:
- Reconheça a exclusão: projetar para a inclusão reflete verdadeiramente a diversidade humana e suas adaptações ao mundo.
- Resolva para um, estenda para muitos: considerar necessidades de pessoas com deficiência desde o início pode beneficiar a todos, independentemente das circunstâncias.
- Aprenda com a diversidade: ao envolver diversas perspectivas desde o início, o insight resultante é a chave para um design inclusivo eficaz.
Os desafios da acessibilidade
Há 18,6 milhões de pessoas com deficiência no Brasil. Esse número equivale a cerca de 8,9% de toda a população brasileira a partir de dois anos de idade. Entre 2012 e 2022, a participação das pessoas com 60 anos ou mais na população subiu de 11,3% para 15,1%. Os dados são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Em 2022, a Abcomm (Associação Brasileira de Comércio Eletrônico) registrou a abertura de 36 mil lojas virtuais no Brasil, alcançando a marca de 565.300 sites de comércio eletrônico registrados no país, um crescimento de 6,82% em relação a 2021. Contudo, apesar dessa proliferação de sites de comércio eletrônico, nem todos são acessíveis. Um site de comércio eletrônico acessível é aquele que pode ser utilizado por compradores de todas as idades, com quaisquer deficiências, em qualquer contexto, com qualquer habilidade.
Apesar dos avanços tecnológicos, não há uma solução mágica que torne um site automaticamente acessível para todos os usuários. As ferramentas atuais ainda carecem de capacidade para resolver automaticamente todos os problemas de acessibilidade. Isso resulta em um processo manual e contínuo, no qual equipes de desenvolvimento trabalham para aprimorar a acessibilidade ao longo do tempo.
Cada elemento do site, desde imagens até códigos, deve ser minuciosamente examinado para garantir que seja compreensível por pessoas com deficiências visuais, auditivas, cognitivas e motoras.
Universalidade da acessibilidade
A acessibilidade na web envolve tanto sites quanto aplicativos, contudo, as diretrizes e padrões de acessibilidade variam entre eles. Enquanto os sites aderem às diretrizes da WCAG (Web Content Accessibility Guidelines), os aplicativos seguem as UAAG (User Agent Accessibility Guidelines). Por isso, é fundamental reconhecer essas diferenças e adaptar as estratégias de acordo com cada aplicação.
Níveis de certificação e a busca pela conformidade
A acessibilidade é avaliada em três níveis de certificação: A, AA, AAA. Elas indicam o nível de acessibilidade alcançado pelo site. Compreender os requisitos de cada nível e trabalhar para atingir a conformidade desejada é essencial para proporcionar uma experiência acessível.
Benefícios da acessibilidade digital para os negócios
No Brasil, 74,19% das pessoas com deficiência (PcD) afirmam realizar compras através do comércio eletrônico. O estudo, realizado em 2019 pela Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), evidencia o quão relevante é essa parcela da população no e-commerce.
Embora o benefício mais evidente da acessibilidade digital seja sua capacidade de proporcionar acesso a conteúdo, produtos e serviços na internet para pessoas com diferentes deficiências, suas vantagens vão além desse impacto imediato. Priorizar a acessibilidade, além de gerar uma reputação positiva junto ao público, beneficia as operações empresariais indiretamente.
Outros Benefícios Relevantes:
- Prevenção de questões legais: evita possíveis litígios e complicações legais relacionadas à acessibilidade.
- Aumento de visitantes do site: atrai mais tráfego ao site, expandindo o alcance e engajamento.
- Ampliação do público-alvo: permite atingir uma audiência mais diversificada, incluindo pessoas com deficiência.
- Otimização para mecanismos de busca (SEO): melhora no posicionamento nos motores de busca, direcionando mais tráfego orgânico.
- Inclusão digital e social: contribui para a inclusão de pessoas com deficiência na esfera digital e promove a inclusão social.
Soluções de acessibilidade
As soluções de sobreposição de acessibilidade se propagam como alternativas rápidas e econômicas para atender às exigências de conformidade. Apesar de centenas de sites de comércio eletrônico adotarem essas soluções, muitos desconhecem os detalhes finos que asseguram que essas soluções não atendem aos objetivos legais ou aos esforços de equidade.
7 estratégias para tornar os e-commerces mais acessíveis:
- Texto alternativo: pessoas com deficiência visual dependem de leitores de tela para acessar sites. Forneça textos alternativos para imagens e descrições de produtos, permitindo que eles façam escolhas informadas.
- Rótulos precisos em formulários: campos de formulário devem conter rótulos visíveis e acessíveis para tecnologias assistivas. Isso garante que todos os usuários, inclusive os de reconhecimento de fala, possam interagir eficazmente.
- Contraste de cores: consumidores com deficiência visual frequentemente enfrentam dificuldades em preencher formulários e fazer seleções. Garanta contraste suficiente entre elementos visuais e de fundo para tornar as informações acessíveis.
- Mensagens de erro claras: mensagens de erro precisam ser claras e indicar especificamente quais informações estão faltando ou incorretas. Isso facilita a correção dos problemas por pessoas com deficiências cognitivas.
- Navegação sem mouse: algumas pessoas com deficiência dependem exclusivamente de teclados para interagir com computadores. Garanta que a navegação e a interação sejam possíveis sem um mouse.
- Correção de legendas automáticas: conteúdos em vídeo devem contar com legendas precisas, especialmente para pessoas surdas ou com deficiência auditiva. Legendas geradas automaticamente por IA podem conter erros ou serem imprecisas, sendo necessário investir em revisão manual.
- Avaliações acessíveis: permitir que pessoas com deficiência escrevam avaliações e comentários sobre produtos garante que outros compradores com deficiência tenham informações úteis ao fazer suas escolhas.
Portanto, assegurar maior acessibilidade para todos os consumidores vai além de uma obrigação. É também uma estratégia de negócio e uma prova do compromisso com a diversidade e a inclusão. Para empresas que desejam melhorar a experiência do cliente, evitar litígios e garantir que seus ativos digitais sejam acessíveis a todos, uma alternativa viável é considerar parcerias com empresas especializadas em experiência do usuário, que empregam testes automatizados, manuais e funcionais, juntamente com tecnologia assistiva.
Este artigo é assinado por Carla Bueno, UX Lead na Adaga, uma marca do grupo JBQ.Global.